quarta-feira, 11 de novembro de 2015

As três Mulheres


Se a Mulher que eu queria ser encontrasse a mulher que eu sou, como Tute dizia, eu levaria umas boas porradas! Talvez uns tabefes, vai. Só que Mulher que eu queria ser é fina. Educada. Não ia se rebaixar a tanto a ponto de precisar da força física.
O problema todo é que no fundo eu acho que tem alguém que está plenamente certo: não sei viver sozinha. É difícil ser só.
E isso foi uma grande dádiva que a vida me deu, me preenchendo de pessoas e mundos completamente diferentes, mas também é a minha grande perdição. 
Comigo mesma eu tenho que enfrentar meus medos, minhas angústias e minha solidão. Porque, sim, mesmo cercada de gente, mesmo tendo muitos amigos e pessoas maravilhosas ao meu redor, que me enchem de carinho e consideração por vezes quando podem ou não, existe uma terrível, dura e seca verdade. Verdade como as cascas de tinta usada que saem de um muro velho e quebram em suas mãos, assim fica meu coração nas chuvas de lágrimas: solitário e descascando, seco, nas mãos das pessoas e situações erradas. 
É que sozinha, estou comigo mesma, coisa que não sei bem se queria estar às vezes. 
É que sozinha tenho que encarar os meus defeitos. Olho para eles na forma dos livros que não li, na forma de tratados que deveria estudar mais, na forma de papéis com funções que tenho que cumprir, ou na forma de um simples espelho, quando deveria cuidar mais de mim e da minha saúde, e de como não fiz tudo isso nos últimos anos. 
É que quando estou comigo mesma, tenho que enfrentar o vazio que sinto quando tenho muitas coisas a cumprir, e não tenho vontade de fazer nada ao mesmo tempo. Tenho que enfrentar o tempo, imparcial e irredutível. Quase imperdoável. Que consome, aos poucos, enquanto me desespera por estar assim parada, estática. 
Às vezes, simplesmente, não sou a super mulher que eu gostaria de ser. 
Sou apenas uma menina confusa e boba, andando pelas ruas e ficando feliz em encontrar um filme bom para assistir, sozinha, sem que a julguem por estar sem uma companhia masculina no cinema.
Às vezes sou só uma Menina entrando numa agência de viagem, tentando descobrir o que vai fazer no ano novo, sem que o agente de viagem a olhe com pena por ter que viajar sozinha. "Todos os anúncios são com o preço adaptado para duas pessoas. Viajar sozinha custa mais caro, moça!" Parece que os hotéis ou as viagens perfeitas foram feitos apenas para casais felizes que querem viver em eternas núpcias. "Tadinha dessa menina!" - Deve pensar o agente. "Não tem uma pobre alma que viaje com ela!" E mesmo quando eu quero tentar curtir a vida assim, sozinha, mesmo quando a menina quer ser gente, vêm esses banhos de água fria da sociedade e molham minha alma, fazendo com que ela fique simplesmente assim: fria e congelada. Estática. 
Nestes dias eu não sou a super mulher que criei na minha mente. Não sou a super mulher com quem convivi durante anos para chegar até aqui. Eu só sou uma menina só, pequena e com o m minúsculo, saindo triste de uma agência de viagens por não ter decidido nada, e ter saído mais perdida de lá de quando entrei. 
Tem certos dias que eu não sou a super medica, a super cirurgiã, sou apenas a super Nada. Eu só sou uma tosca que carrega muito peso na bolsa, e nas costas, a ponto de quebrar uma das alças, por carregar tudo sempre do mesmo lado: o ombro direito. 
É que as vezes não tem ninguém pra ser seu braço direito, e você é obrigada a carregar o peso nos ombros. Ombros tensos, tão quanto foi a semana, mas sempre mantendo o padrão básico dos nódulos de stress e pressão nos músculos de anos de trabalho.
Tem dias que não sou a super mulher segura e cheia de si. Sou só uma menina assustada por vozes do passado, que te julgam e te criticam, assim de repente, quando você menos espera, numa música, no seu choro durante certas cenas do filme, no seu comportamento depois disso. 
"Para com isso menina!  É só um filme!
Você é muito sentimental... Credo! 
Você se importa demais com que os outros falam e pensam de você.
Você vai acabar sozinha!"
Ué? Mas eu já não estou "sozinha"? 
Tem dias que eu só sou uma menina. Com m minúsculo. Diminuída pelo peso que a sociedade cria em você, por ser sozinha. 
E se a Mulher que eu queria ser encontrasse essa menina, assustada e tola, acho que ela nem se daria ao trabalho de lhe dar umas palmadas... 
A maioria das pessoas olharia está situação e só sentiria o sentimento mais cabível em suas mentes para esta ocasião: pena. 
Mas a mulher que eu gostaria de ser não é assim destas nojentas e limitadas.
Ela olharia para a menina como uma mãe que entende uma filha, como alguém que acalenta e sabe que tudo não passa de uma fase, uma estrada pela qual é obrigatória a passagem. 
Não, ela não teria pena da Menina. 
Ela teria amor. 
Como se reconhecesse a si mesma, dentro daquele mundo de emoções e sentimentos. Como se compreendesse cada gotinha de chuva naquela alma e quisesse apenas cuidar daquelas feridas, sabendo que um dia a dor iria passar e ficariam apenas as cicatrizes toscas e as histórias engraçadas para contar depois. 
Talvez o que me conforte agora, é que a mulher que eu gostaria de ser, por vezes pode parecer tão distante, nestes momentos aparece, e mostra a cara, e um jeitinho especial de levar a vida. E ela se aproxima, como quem não quer nada, e sinto como se ela estivesse aqui, mesmo não estando completa, mas perdida em algum lugar pelas redondezas
Nos dias de menina, ela pode parecer  impossível. Mas nos dias de Menina, talvez não. 
Mas logo vem a noite. 
Logo vem o sono. 
E logo vem os raios de um novo dia, me mostrando que posso ser alguém novo, uma nova Mulher, num novo dia. 
Assim, quem eu Sou se conforta no Hoje, porque bem no fundo ela sabe que tem dias que a gente só vai ser quem quer ser, de verdade, lá pela frente, num desses Amanhã da vida. 



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