Quem nunca foi a Belém no Círio, não se permitiu ainda a ver ainda o que é uma verdadeira demonstração de fé.
Paraenses por natureza, são pessoas com muita fé e confiança. São batalhadores desde o início, afinal de contas, quem não mais do que um grande batalhador pra sobreviver à tanto calor? Já nascem suados e morenos, independente da cor de pele. Já nascem com a certeza que a chuva das 15h vai cair, e que vai passar logo. Basta você esperar em um toldo seguro qualquer.
No Círio acontece assim:
O Paraense já acostumado a ter essa esperança, todo mês de outubro se vê renovado e abismado como tanta gente cabe numa cidade só.
Mas ele tem fé.
-"Sempre cabe mais um." "Pode vir, mana!" Sua casa, de repente, é invadida por pessoas, que podem ser ou não da sua família.
É que o conceito família para nós é bem mais amplo. Afinal de contas, por que um bom amigo não pode ser da sua família também? Por que família tem que ser só os laços de sangue?
Por que seu amigo não pode entrar na sua casa? Ter um espaço a sua mesa?
- "Senta aqui, meu filho!" Sim, porque sua mãe vai chamar seu amigo de filho, assim como a mãe dele vai se referir a você assim. "TU tá com fome, filho? Quer comer alguma coisa?"
E lá descem, os pratos de maniçoba, tacacá, tucupi, tapioca, cupuaçu. (Muitas palavras esdrúxulas para os estrangeiros do Pará!). -"Senta, meu filho" "Come, meu filho!"
- "Deixa a louça aí que o fulano que vai lavar hoje!"
-"Dorme, meu filho!"
-Mana! Mano!
Porque a gente, assim, como quem não quer nada, vai considerando os amigos como irmãos.
E acabam virando deus irmãos fora depois.
Quem não foi a Belém no Círio, não se permitiu a ver o que é a verdadeira manifestação de devoção.
Acordar 3h da manhã pra ter tempo de chegar na igreja. Andar, se ajoelhar, correr, puxar a corda, carregar peso nas costas.
Você pode olhar de fora e pensar que são todos uns loucos. Mas é que a gente tem fé.
É que a dádiva foi tanta, mas tanta, que eu tenho que fazer alguma coisa pra retribuir a Deus, ao mundo, mesmo que seja castigando meu corpo, por toda a glória que tive. É tanta, que, às vezes a gente acha que "merece" aquela dor, depois de tanta felicidade. Não há, nenhum paraense que não tenha pedido algo à Santa, e nenhum que não tenha conseguido algum sucesso nisso. Promessa é divida. E dívida é paga logo, pelo menos as com Deus.
Quem não foi a Belém no círio, não conhece a pureza e a generosidade das pessoas. Paraense é simples, não é arrogante. É só curto e grosso, o que muitas vezes pode ser confundido com arrogância pelos mal acostumados com hipocrisia. No fundo, não suportamos as frescuras que a etiqueta nos impõe.
- "Pra que isso" "Se aprochegue!"
- "Menino, abre a geladeira, lá!"
-"Mana, vaza! Vambora!"
Conheça um paraense e provarás a essência da Hospitalidade.
Das mais simples ou mais "elegantes", pessoas ajudando umas às outras, em modestos gestos, desde a distribuir água até abanar um desconhecido embaixo do sol. É que pra nós, desconhecido não existe. Fulano, ciclano, beltrano e manos sempre estão aí, em todos os lugares. E olhamos nos olhos, e sorrimos quando os vimos nas ruas.
Bem contra manifestações vazias e escandalosas de fé que certas datas fazem, e contra humanos que conseguem transformar festas assim em algazarras, o que sempre acontece em Belém no Círio mantém uma relação de controvérsias, única e impressionante.
E se você não se permite ver toda a beleza que isso tem, desculpe, você não vai gostar dos paraenses...
Então, manos e manas, vão ao Pará no Círio!
Mas vá de coração aberto e puro.
Deixe os saltos e os sapatos de fora.
Traga muita roupa! Você vai suar! Mas todas leves e simples, assim como deve ser seu coração.
Se não for pra ir assim, nem vale.
Como já dizia nosso filósofo papa-chibé: "Não queremos nossos jacarés tropeçando no pensamento miúdo de vocês!"